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Mostra Resistência

Mostra Resistência: os filmes e os vaga-lumes
texto por Amaranta César

"Há sem dúvidas motivos para ser pessimista, contudo é tão mais necessário abrir os olhos na noite, se deslocar sem descanso, voltar a procurar os vaga-lumes." Georges Didi-Huberman[1]

 

"É preciso resistir”: é uma constatação, um chamado, um alerta que tem se repetido com frequência, em relação aos mais diversos dilemas e conflitos, da China às ruas do Brasil, de Estelita a Isidoro, da Serra do Padeiro ao Rio dos Macacos, do Mato Grosso ao Maranhão. A resistência, na metáfora elaborada pelo historiador da arte, George Didi-Huberman, é um vaga-lume. Em zonas escuras onde as luzes dos estados definitivos e opressores não chegam, ela lampeja, inesperada. Sua centelha desafiadora rompe, em lapsos, a escuridão. É aparição intermitente, que lateja driblando e fitando o abismo do desaparecimento. Como os vaga-lumes, a resistência habita as franjas que os espetáculos do poder ainda não alcançaram. E, por isso, ela não se oferece inteira e facilmente à visão. Como vaga-lume, a resistência nos demanda um olhar para aquém do horizonte - um olhar persistente e atento que se instala longe do desespero e do grito.  Nesse quadro alegórico, a imagem-vagalume é aquela que, na sua aparição rara e resistente ao espetáculo, pode atuar como operador político de protesto, de crise ou de libertação. Em suas passagens descontínuas, ela é uma ação, ação que se oferece como uma alternativa ao olhar, convocando uma mirada sem descanso daquele que procura na escuridão os lampejos de vida.

Tomando emprestada a inspirada alegoria de George Didi-Huberman, é possível dizer que os filmes aqui reunidos são filmes-vaga-lumes. Produzidos em contextos de opressão, na fricção direta com regimes autoritários, eles não apenas tematizam e encenam a resistência – à ditadura, à teocracia, ao colonialismo -, mas se constituem eles mesmos como uma (re)ação política. São filmes que foram perseguidos pelo poder contra o qual suas imagens e sons se insurgem, filmes que, depositados em porões escuros da censura, tiveram aparições raras, e, alguns deles, continuam a depender de olhares atentos e persistentes que os permitam desafiar a constante ameaça de desaparição. Assim, o conciso, mas precioso conjunto de filmes reunido nessa pequena mostra, está entrelaçado pelo gesto de resistência que foi demandado a seus realizadores e personagens e pela maneira como suas imagens estão, hoje, marcadas indelevelmente pela luta travada contra a cegueira dos regimes autoritários em suas gênese, produção, distribuição e/ou recepção. Com essa singular coleção, que não responde a princípios cronológicos, antológicos ou enciclopédicos, pretende-se olhar para os filmes e celebrá-los enquanto ação, ação no mundo. Exibi-los é um gesto também de sobrevivência, de aposta na capacidade que ainda guardam os filmes (aqueles que também são atos) de desafiar, perturbar o pessimismo que nos assombra.


[1] Georges Didi-Huberman, Sobrevivência dos vaga-lumes, trad. Vera Casa Nova e Márcia Arbex, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

África 50
França, 1950, 17’
De René Vautier
Dia 06/09, às 16h30

Cabra Marcado para Morrer
Brasil, 1984, 119’
De Eduardo Coutinho
Dia 02/09, às 19h

Manhã Cinzenta
Brasil, 1969, 22’
De Olney São Paulo
Dia 06/09, às 16h30

Primeiro caso, segundo caso
First case, second case /  Ghazieh-e Shekl-e Aval, Ghazieh-e Shekl-e Dou Wom
Irã, 1979, 47’
De Abbas Kiarostami
Dia 06/09, às 16h30