Com mulheres: a partilha como questão de cinema, estética e política
Amaranta Cesar

Considerar a dimensão performativa do gênero, a ideia de que a condição feminina é uma construção histórica e cultural, e que, por isso, os filmes não apenas registram ou representam as relações de gênero mas as produzem, nos conduz ao entendimento de que as perspectivas das mulheres no cinema, mais do que desejáveis, são necessárias e mesmo urgentes.

Muitos acontecimentos cinematográficos dedicados à enfrentar esta urgência têm surgido no Brasil. Normalmente, eles são orientados seja pela noção de representação – através da reunião e exibição de filmes que apresentam personagens e temáticas do universo feminino: filmes sobre mulheres -, seja pela questão da representatividade – através da reunião e exibição de filmes realizados por diretoras: filmes de mulheres. Fazer a preposição variar do de ou do sobre (de mulheres, sobre mulheres) para o com (com mulheres) implica em uma série de deslocamentos. Inspirada na bela tese de doutorado de Carla Maia[1], na composição aguda de seu objeto de investigação, o uso e a ênfase na preposição com “prima pela dimensão relacional e necessariamente ética e política do cinema”, que não implica “numa relação apaziguada ou apaziguadora das diferenças”, como sinaliza, de modo preciso, a pesquisadora.

Exploramos a dimensão de comunhão que está implicada na expressão “com mulheres” tanto para tecer esta coleção de filmes, quanto para compor o método de organização que a orientou. Em primeiro lugar, provocamos uma pequena expansão na noção de autoria, através da construção de uma mostra de filmes com curadoria coletiva, em que cada curadora convidada desenhou um programa. Curar esta mostra em conjunto foi, então, a ocasião para estarmos juntas, dialogando sobre os vetores de forças presentes no trabalho de olhar para os filmes – o olhar que lançamos e também aquele convocamos na condição de curadoras de cinema. Em segundo lugar, a única indicação para a escolha dos filmes a serem colecionados e exibidos foi a condição de partilha: reunimos filmes não apenas de mulheres ou sobre mulheres mas filmes entre mulheres, com mulheres – realizados e protagonizados por elas. Como escreve Carla Maia, “da pergunta: ‘o que há de feminino nos filmes?’ passamos para a: ‘que modos de partilha são dados a ver por essas mulheres? Quais relações se produzem, entre diretoras e personagens, entre os filmes e a/o espectador/a?”. Para a realizadora vietinamita Trin T. Minh-Ha, filmar/falar junto, ao lado de, com, e não sobre, não é uma técnica ou uma declaração mas uma atitude de vida, um posicionamento diante do mundo que deve se materializar nos aspectos formais do filme.

Assim, Com Mulheres, através dos filmes e dos diálogos sobre o exercício curatorial, é um modo de estarmos juntas, com e pelo cinema, para articular diferenças, diferir, divergir e compartilhar. E estarmos juntas parece, agora, mais do que sempre, uma questão política – talvez a mais urgente.

¹MAIA, Carla. SOB O RISCO DO GÊNERO: clausuras, rasuras e afetos de um cinema com mulheres. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.